Juan Carlos Tedesco: “É necessário discutir com quais sentidos e critérios as novas tecnologias devem ser usadas”
O professor Tedesco, é formado em Ciências da Educação pela Universidade de Buenos Aires - UBA, em 1968. Tedesco, iniciou suas atividades acadêmicas em 1975 como professor da Universidad Nacional de La Pampa e posteriormente por mais de 20 anos anos ocupou posições de destaque na UNESCO, tendo sido diretor do Instituto Internacional de Planejamento da Educação - II EP, tanto na sua sede em Genebra na Suíça, como posteriormente, entre 1998 e 2005, da filial em Buenos Aires.
Publicou numerosos artigos e livros sobre as relações entre educação e sociedade.
Trechos da entrevista que o argentino Juan Carlos Tedesco,especialista em política educacional, deu para o livro Educación y tecnologías: las
voces de los expertos (2011):
*
SOBRE
Como o uso das novas tecnologias impactará na escola?
Não
creio que exista um único impacto do uso das novas tecnologias na aula,
nem que o impacto dependa apenas da tecnologia. Ao analisar as
experiências conduzidas em diferentes países, os especialistas concordam
em afirmar que o impacto do uso das novas tecnologias depende do
projeto pedagógico no qual se introduz a tecnologia.
Em
termos de operações cognitivas, por exemplo, se pode fazer com os
computadores o mesmo que já se vinha fazendo com o giz e a lousa. Nesse
sentido, dependerá do docente e de sua estratégia: estar introduzindo
estratégias de ensino que promovam a aprendizagem participativa do
aluno. Estudos muito avançados realizados na Califórnia, região do mundo
com a maior densidade de computadores por estudantes e escolas,
demonstraram que uma porcentagem muito importante desses aparatos foram
utilizados para reproduzir modalidades pedagógicas tradicionais.
Acredita que a escola tenha muitas expectativas quanto ao ingresso dos netbooks na aula?
À
medida que o docente conhece as novas tecnologias, baixam as
expectativas sobre o que elas podem provocar e produzir no processo de
ensino e aprendizagem. Existe muito mais expectativa quando o professor
desconhece do que quando sabe do alcance e limitações implicados no uso
dos computadores.
É
preciso distinguir entre as novas tecnologias como dispositivo
didático, e o conhecimento e o seu uso como código da cultura
contemporânea
Pessoalmente,
não creio na existência de determinismos tecnológicos. Ninguém duvida da
necessidade de usar as novas tecnologias na sala de aula. Entretanto,
creio que é preciso distinguir entre as novas tecnologias como
dispositivo didático, e o conhecimento e o seu uso como código da
cultura contemporânea. A esse respeito, é possível fazer uma comparação
com a necessidade de saber ler e escrever, ou com a necessidade de estar
cientifica e digitalmente alfabetizados.
Este
é um bom momento para refletir se deve haver um curso dedicado ao
ensino do uso das TICs. Todos concordamos que elas são transversais e
comuns a todas as matérias, como no caso dos livros. Porém, não é porque
o livro é um suporte para o ensino de todas as matérias que iremos
deixar de introduzir no currículo uma matéria específica para ensinar o
manejo da linguagem e assim entender melhor o livro. Com as novas
tecnologias deve ocorrer o mesmo.
Quais debates são desencadeados no interior do sistema educativo pelo uso das novas tecnologias?
Uma
vez que é estabelecida a ideia, por parte das políticas educacionais,
que cada estudante deve trabalhar com seu computador, o uso das novas
tecnologias deixou de ser uma questão voluntarista do professor ou da
equipe docente. Já não depende de se a escolar quer ou não quer utilizá-las
como dispositivo pedagógico. Agora, deve fazê-lo.
Então,
o problema a enfrentar é a forte heterogeneidade do sistema, já que
temos professores ou instituições que manejam as novas tecnologias, com
experiências muito avançadas e outros que estão muito longe de saber
manejar as máquinas. Essa heterogeneidade significa desigualdade.
Por
isso, é necessário que todos participemos dessa discussão, não de
maneira superficial, mas sim qualificada, perguntando-nos como, de quê
modo, com quais sentidos e com que critérios as novas tecnologias devem
ser usadas. No meu entender, elas devem incentivar o trabalho
institucional..
E
qual é a realidade na escola? Por que nem todos os docentes são
inovadores no uso das novas tecnologias, mas tampouco todos resistem a
elas?
Em
linhas gerais, podemos descrever três grupos, divididos grosso modo em
proporções de 40%, 40% e 20%, anda que conforme as jurisdições e
instituições.
Em
primeiro lugar, os inovadores, que já trabalham com os computadores e
estão muito avançados. Em segundo lugar, os indiferentes: sabem que eles
existem, mas utilizam pouco ou nada. Por último, o setor minoritário
dos resistentes que veem as novas tecnologias como uma ameaça, e mantêm
muitos preconceitos sobre os usos e impactos dentro da aula.SOBRE
Salvo
casos excepcionais, em todas as escolas todos os grupos convivem. Por
isso, eu falava da capacitação em serviço dento da instituição e com
mecanismo de formação coletiva.
Coloquemos
trabalhando junto o inovador com o resistente, para que este deixe seus
preconceitos sobre as novas tecnologias e para que o outro deixe de
pensar que é o único (uma vanguarda) e perceba que é melhor que avance
em seu conhecimento se o restante também faz progressos.
De que modo as novas tecnologias impactam na tarefa do docente na aula?
Em
primeiro lugar, reduzem o esforço do professor na tarefa de transmitir
informação, porque com a internet ela está aí, ao alcance de todos. Os
professores deve gastar seu tempo em transmitir os critérios, os
sentidos e as formas com que se deve selecionar toda essa informação.
As
tecnologias colocam um nível de exigência mais alto ao docente, similar
ao efeito que tem a introdução de tecnologias em qualquer outro
processo produtivo: a máquina suprime o trabalhador menos qualificado.
Assim,
o trabalho do docente se torna mais complexo, já que deve refletir
sobre a aplicação pedagógica no uso das novas tecnologias. O papel do
adulto é dominar o instrumento, nesse caso os computadores, para dotá-lo
de sentido e formar os critérios dos estudantes, que O especialista argentino Juan Carlos Tedesco também deu uma entrevista para o livro Educación y tecnologías: las
voces de los expertos (2011), que você pode ler abaixo. É interessante
notar que ele se refere a algumas iniciativas que ocorrem no contexto da
Argentina.
O
Estado acaba de comprar três milhões de netbooks, e a partir da lógica
privada se antecipa que essas máquinas serão obsoletas em dois ou três
anos. Por que descartá-las se esse instrumento continuar sendo
socialmente útil? É aqui que adquire relevância o papel de liderança do
Estado.
Tradução: Richard Romancini
Como esta situação se explica?
Sempre
houve rupturas geracionais, porém estamos vivendo uma muito mais
profunda, porque as transformações ocorrem em uma mesma geração, quando
anteriormente ocorriam entre gerações.
O problema não está nos jovens, mas sim nos adultos, que deixamos de apaixonarmos por nosso patrimônio e por sua transmissão
Se
as novas gerações querem construir seus próprios critérios e sentidos,
me parece perfeito. Porém, e pode parecer conservador, ninguém pode
construir no vazio, sem conhecer o patrimônio cultural que, por outro
lado, é suficientemente valioso para ser estudado e para despertar
paixão.
Não
é possível que as novas gerações não se entusiasmem com Shakespeare ou
ignorem os clássicos. Desse modo, os empobreceremos culturalmente, já
que, ao desconhecê-los, não existe a possibilidade de que os discutam e
os superem.
O
problema não está nos jovens, mas sim nos adultos, que deixamos de
apaixonarmos por nosso patrimônio e por sua transmissão. O que enriquece
o estudante não é tanto o conteúdo, mas sim a paixão com que o docente
transmite esses conteúdos. O problema é sério, porque estamos diante de
adultos que querem ser jovens, que se concentram no presente, ante um
passado que consideram obsoleto e um futuro que percebem como incerto e
ameaçador.
Se
os jovens se desenvolverem nesta ideia de viver o presente, romper com o
passado e não ter ideia sobre que futuro construir, esse vazio será
coberto pelos fundamentalismos, seja de mercado, totalitários, ou
religiosos; ou pelo individualismo associal.
O
processo das novas tecnologias está imerso nessa brecha cultural que
devemos fechar ou diminuir, se realmente queremos construir para as
novas gerações um futuro com maior justiça social, solidariedade, coesão
e respeito pela diversidade.
A escola pode ajudar a criar valores exercendo um papel contracultural à cultura dominante da sociedade atual
A
escola pode ajudar a criar estes valores exercendo um papel
contracultural à cultura dominante da sociedade atual. Porém, antes é
preciso preenchê-la de conteúdo, porque hoje a cultura escolar está
vazia, e os docentes são os principais representantes desse mundo adulto
que quer continuar sendo jovem.
As novas tecnologias podem ajudar a criar esses valores de que fala?
Em
princípio, replicando a experiência da escola sarmentiana, que SOBREfoi
laica, positivista, modernizante e progressista, entre tantos outros
valores, que não refletiam o que acontecia fora dela, e que desempenhou
um papel como instituição socializadora frente a outros papéis que já
desempenhavam a igreja e a família.
O
professor foi um ator moderno nesse modelo de escola, e hoje pode
voltar a sê-lo, utilizando as novas tecnologias a serviço dos valores
anteriormente mencionados, porque elas, por si só, não o fazem.educacional
As redes sociais não fomentam a diversidade: ali se agrupam os que pensam igual ou têm interesses similares
As
redes sociais não fomentam a diversidade: ali se agrupam os que pensam
igual ou têm interesses similares. Então, fomentemos espaços onde
diferentes religiões discutam um tema determinado, ou onde estudantes de
setores mais e menos desfavorecidos saltem os muros dos guetos que os
separam e conheçam uns aos outros.
As
novas tecnologias podem nos ajudar com essas iniciativas, porém, por si
mesmas, não as realizam. São instrumentos, não um fim em si mesmo.
As novas tecnologias estão modificando as capacidades cognitivas?
Existem
resultados contraditórios a respeito. Certa literatura destacaSOBRE os
jovens multitarefa, capazes de realizar atividades diferentes ao mesmo
tempo. Porém, isso é bom ou mau? A verdade é que não sei. Outros
sustentam que diminuiu o tempo de concentração e hoje nenhuma exposição
deveria se estender por mais de quinze minutos. Isso é avançar ou
retroceder? Alguns assinalam que, ao estar submetidos a fluxos de
informação permanente, existe uma tendência muito alta a prestar atenção
à última notícia recebida, sem avaliar se ela é a mais importante ou
não.
É
necessário continuar com a investigação e inovação, antes de dar saltos
na tomada de decisões. Porém, acredito que é muito importante avançar
em processos que fortaleçam a capacidade do setor público, onde o Estado
assuma papel de liderança, e não deixe nas mãos da lógica privada esse
tipo de decisões.